O Bumba Meu Boi tem um forte vínculo com o artesanato. Demanda muitas habilidades e conhecimentos para a produção do boi, das indumentárias, dos chapéus, dos adereços para os diversos personagens, além dos instrumentos musicais. Bordado, entalhe, diferentes tipos de montagem, costura e ornamentação são as técnicas mais presentes, que mobilizam centenas de artesãos.
Os bordados e os entalhes se destacam num universo de inventividade e excelência de execução onde já foram registrados 417 artesãos, situados em 57 municípios. As regiões com maior número de artesãos do Bumba Meu Boi são a Baixada Maranhense + Pindaré Mirim (55% do total), em seguida o Litoral Ocidental (16%) e depois a região do Munim (9,5%).
As cidades que reúnem maior número artesãos do Bumba Meu Boi são Matinha, Monção, Cururupu, Cajari, Pindaré Mirim, Penalva e Viana, mas há núcleos significativos em muitos municípios.
BORDADOS
Os bordados do Bumba Meu Boi utilizam principalmente o canutilho, a miçanga e o paetê, mas também se empregam materiais brilhosos variados como contas, pedraria, galões...
Os bordados são feitos à mão ou na máquina de costura por mulheres e homens, que trabalham sozinhos ou em conjunto para dar conta de peças grandes e trabalhosas como o couro do boi ou de uma quantidade grande de indumentárias. São comuns núcleos familiares dedicados à produção dos bordados.
O termo couro ou lombo do boi refere-se ao tecido do revestimento final - em geral veludo, mas pode ser outro - decorado com bordado, aplicação de enfeites ou pintado. Não se trata do couro do animal, o termo é uma alusão a ele.
O bordado é feito à mão - com bastidor ou mesa de bordar se a peça for grande, ou na máquina de costura - também com uso de bastidor. Depois do bordado pronto, o couro (veludo bordado) é costurado ou fixado com alfinetes/ agafes sobre o revestimento da carcaça do boi. Alguns artesãos bordam diretamente sobre a carcaça já pronta e revestida de veludo ou tecido, atravessando as camadas tecido e de buriti.
Há bordadoras e bordadores especialistas no couro do boi e há os artesãos especialistas na confecção do boi completo, da carcaça ao bordado.
O bordado do couro do boi demanda de 3 a 6 meses para ser concluído e pode envolver mais de uma pessoa. Cada artesão tem suas próprias características ao bordar, como a forma de colocar o canutilho, a técnica de contorno e depois preenchimento do desenho, a mescla entre canutilho e miçanga, a presença de diversos materiais e muitas outras.
O boi pode ter apenas o couro bordado ou cada uma de suas partes : o couro, o rabo, a cara, o lenço, cangote e até a língua...
No Boi de Zabumba, por exemplo, a cabeça do boi é toda bordada, assim como o rabo. Há variações conforme o sotaque e a região.
Na Baixada Maranhense, o boi já revestido de veludo ou tecido recebe um manto bordado, em formato retangular, composto pela parte central e duas laterais. Esse manto bordado ou ornamentado é chamado de lombo do boi. O boi piranha é o nome utilizado quando as laterais do manto são vermelhas e a parte central preta.
As artes do Bumba Meu Boi têm em Djalma Marquês um de seus
grandes mestres. Faz o boi completo (da armação ao bordado), borda
indumentárias e chapéus com primor. Também faz o carneiro, a jumento e a vara
de ferrão do vaqueiro. Estabelecido em Mirinzal, começou a bordar em 1957 para
a brincadeira comandada por seu pai. É muito reconhecido na região e também em
São Luís, trabalhando para muitas brincadeiras.
O bordado floral de Guimarães
Guimarães é o berço do sotaque de zabumba, um dos sotaques mais antigos. Atualmente, a brincadeira criada por Mestre Marcelino continua sendo um grande destaque do São João, segue forte com a qualidade de
suas toadas, de seu batuque e de seus bordados. Ali os motivos florais
predominam e há uma maneira diferente de aplicar o canutilho, de forma
inclinada. A cidade reúne bordadoras e bordadores de grande qualidade, presentes na
sede e nos povoados.
Bordado do Boi de Costa de Mão
O sotaque de Costa de Mão está presente em Cururupu, Serrano do Maranhão, Bacuri e São Luís (trazidos por migrantes). A indumentária característica é constituída pela jaqueta/ camisa e o calção. Os bordados são cheios e bastante elaborados.
Quilombo do Graça em Matinha
O povoado se destaca no artesanato voltado ao Bumba Meu Boi. São 12 artesãos que se dedicam aos bordados e à confecção de caretas de Cazumba. A comunidade tem a sua brincadeira, o Boi Alegria do Povo.
Bordado na máquina de costura da Baixada Maranhense
O bordado à máquina é uma das especialidades da Baixada Maranhense. Primeiro são feitos os fios de canutilho e de miçanga, depois eles são aplicados com auxílio do bastidor, acompanhando os desenhos marcados no veludo.
Indumentárias, chapéus, farda de Cazumba e o couro do boi podem ser bordados à máquina.
Bordado das indumentárias
Cada sotaque de Bumba Boi tem sua indumentária característica e seus personagens, havendo também muita variação regional. Os bordados estão presentes em praticamente todas as indumentárias.
Penalva, Matinha e Cajari são municípios que se destacam por reunir grande número de bordadoras e bordadores, com trabalho excelente. Mas, há bordadores em inúmeras cidades.
No sotaque da Baixada, a indumentária da maioria dos bailantes é composta por tanga/ saiota e guarda-peito; no sotaque de zabumba, gola e meia saia/ rudaque; no sotaque costa de mão, jaqueta/ camisa e calção; no sotaque de orquestra calça e camisa ou capa e tanga ou ainda colete e calça.
A Cazumba é um personagem do sotaque da Baixada. Sua farda/ bata/ capote é uma peça com extensa área bordada, por isso a maioria dos artesãos utiliza paetê e miçanga, para que a peça não fique muito pesada e dificulte o gingado da personagem. Mas há artesãos que utilizam canutilho e miçanga e bordam à máquina. Mais raro de encontrar é o par de faixas de Cazumba, usado como complemento da farda.
Muitos Cazumbas fazem a própria indumentária, incluindo desenho e bordado da farda e desenho e entalhe da careta, composta pelo queixo/ máscara e a torre. Outros se especializam em uma das partes. É comum que o próprio Cazumba seja o autor de pelo menos parte de sua indumentária. Há grandes especialistas dentre as bordadoras e os bordadores dedicados às fardas.
Indumentárias e capacetes de pena
A roupa do Caboclo de Pena do sotaque de matraca é uma indumentária muito especial e tem seus especialistas, o bordado está mais presente no peitoral.
As roupas das índias, presentes nos diversos sotaques, levam bordado em pequenas áreas, como as palas, parte do capacete/ cocar, perneiras, braceletes e munhequeiras. O uso das penas é o maior destaque dessas indumentárias.
Franjas
A franja é um complemento importante de chapéus e indumentárias. Os tipos de franja mais usados são o chuveiro do chapéu de pena, o topo do chapéu de fita, a franja tarrafinha/ redinha/ malha (que tem a trama de uma rede de pesca) e o chuveirinho (franja de vários fios) usadas nos chapéus e nas indumentárias. Também foram mencionadas pelos artesãos a franja chocalho e a franja vassoura. O chuveirinho pode formar o nome do bailante ou da brincadeira, aplicado ao redor da aba do chapéu. A franja das indumentárias em geral vai de 3 até 8 cm. Muitos artesãos dedicam-se somente às franjas.
Chapéus
São muitos os tipos de chapéu utilizados no Bumba Meu Boi. Todos eles ricamente bordados ou decorados. Destacam-se o chapéu bordado com franjas, o chapéu de pena do sotaque da Baixada, o chapéu de fita do sotaque de zabumba, o chapéu de fita do sotaque de matraca, o chapéu gaiola do amo e o chapéu de fita do sotaque de orquestra da região do Munim.
O bordado dos chapéus utiliza canutilho, miçanga, paetê e todo tipo de brilho (pedraria, contas, galão e outros). Embora a maioria dos chapéus seja bordada à mão, há artesãos que bordam à máquina. O bordado pode ser feito diretamente sobre o chapéu (já revestido ou chapéu pronto de baeta) como também ser realizado sobre o veludo, que é aplicado no chapéu posteriormente.
Armação do chapéu de fita e do chapéu de pena
Os chapéus de fita e de pena recebem farta e extensa ornamentação,
o que faz necessária uma sustentação, que deve ser firme, mas não pode ser
pesada. Há artesãos que fazem todas as etapas dos chapéus, da armação ao
bordado e montagem; há os que são especialistas na armação, que inclui a fixação das penas e das fitas.
O chapéu de fita utiliza um chapéu base feito com o talo do
buriti, material muito leve, que é todo costurado. Depois é revestido com o veludo
bordado ou outro tipo de ornamento e então recebe as longas fitas de cetim ou
galão e franja ou grade de canutilho e contas.
O chapéu de pena requer uma estrutura para que a frente fique
empinada, formando um arco, que sustenta o chuveiro e o bordado. Em geral se
utiliza vergalhão de ferro fininho ou arame e um chapéu de palha de abas
largas, além de papelão. O chapéu é inteiramente bordado, recebe as penas na
frente e as fitas de cetim ou galão na parte posterior.
ENTALHE
O entalhe é outro grande destaque do artesanato do Bumba Meu Boi. Os artesãos escultores fazem a cabeça do boi, da burrinha ou de outros animais presentes na brincadeira. No sotaque da Baixada, o entalhe da careta de Cazumba revela grandes escultores.
O queixo, que cobre o rosto do Cazumba, é entalhado em madeira leve ou isopor, com feitio de animais de características mais ou menos assustadoras.
A careta de Cazumba é um dos elementos das indumentárias do Bumba Meu Boi que mais sofreu transformações. Contam os mais velhos que originalmente o Cazumba era vestido para assustar a audiência, corria atrás das crianças, usava couro verde, mal cheiroso, capemba de palmeira e outros materiais rústicos disponíveis no entorno. Depois vieram as máscaras de pano, costuradas pelos próprios brincantes. Essas máscaras seguem sendo usadas e ganharam destaque com o trabalho do falecido Mestre Abel. Hoje a maior parte dos Cazumbas utiliza o queixo esculpido em madeira, depois pintado ou decorado com brilhos e peruca. Os queixos podem ter o maxilar articulado para agregar mais um recurso à performance da personagem.
Há artesãos que seguem criando máscaras assustadoras usando todo tipo de material reaproveitado, a exemplo de Mestre Zimar, de Matinha e de Nezinho do Boi, de Caxias.
A torre/ coroa/ placa é a parte superior da careta da Cazumba e pode chegar a mais de um metro de altura. Há Cazumbas que usam somente o queixo, sem a torre. Dois formatos são mais utilizados, o primeiro é uma armação de arame ou vergalhão fino, ornamentada com materiais brilhantes, como o festão e o fitilho metalizados, e todo tipo de elemento decorativo, com grande criatividade nas composições.
O segundo formato mais usado é a torre esculpida em isopor e pintada ou revestida de materiais brilhantes, led, cds e outros enfeites. Há especialistas na criação dos desenhos.
O topo da careta de Cazumba pode trazer, acima da torre, uma peça esculpida, como este pássaro.
O BOI
A armação do boi também é chamada de carcaça, capoeira, cangalha, esqueleto, caveira, grade. Há artesãos especialistas somente na armação, que envolve diversos processos e materiais.
As etapas são: preparo do quadro de madeira, cipó ou até de cano de PVC, o quadro é a base da armação e um dos locais que o miolo do boi segura para fazê-lo dançar. No quadro são fixadas as costelas, que são as varinhas de madeira, cipó ou metal. Depois é encaixada a cabeça do boi, que pode ser o próprio crânio do animal ou uma peça esculpida em madeira. Com a armação já estruturada, começa o revestimento, a chamada carne do boi, que pode ter várias camadas. Nas regiões onde a palmeira do buriti está disponível, ele é o material preferido, pois é leve e permite ótimo acabamento. A parte utilizada é o talo/ braço da folha descascado. Também se utiliza, espuma, estopa, saco de ráfia e todo tipo de tecido. Por último é aplicado o veludo ou cetim, o chamado couro ou lombo do boi. O veludo pode ser aplicado já bordado ou liso para ser bordado diretamente sobre a carcaça ou receber o manto.
Há artesãos que fazem o boi completo, da armação ao bordado, os que fazem somente o entalhe da cabeça e os especialistas na armação.
O boi tem muitas variações de tamanho e formato de acordo com o sotaque e a região. As brincadeiras utilizam bois de 80 cm a 1,5 m, mas existem variações menores e maiores.
O boi de zabumba tem cangote e o lenço/ lençol (região do pescoço), na região próxima ao Piauí o boi é maior. O boi cangalha é confeccionado para apoiar no pescoço do miolo. Há o boi de pano, o boi de cofo, o boi de lombo da região de Viana, o boi de promessa, o boi de Santo Antonio em tamanho menor... muitas variações que evidenciam a riqueza dessa manifestação.
A cabeça do boi
A cabeça esculpida do boi pode ser pintada e decorada ou revestida de veludo e enfeitada com bordado, aplicações. Muitos bois têm o maxilar articulado.
A armação completa não pode ser pesada, pois ainda vai receber o enfeite e o peso pode dificultar o bailado feito pelo miolo, que sustenta o boi. Por isso há cuidado na escolha das madeiras adequadas e dos materiais da carne, como buriti, estopa, espuma, tecido, saco de ráfia ...
O boi de cofo, recebe o nome por ser trançado com a palha do babaçu, utilizando o mesmo tissume do cofo. A trama forma a carne do boi, que tem o quadro em madeira e na maioria das vezes a cabeça é entalhada, mas existem bois de cofo com a cabeça também de palha. O boi pode ser revestido para receber o enfeite ou pintado. Em algumas brincadeiras o boi é feito com o cofo propriamente, utilizando o cofo de alqueire.
Burrinha
A burrinha ou burra, assim como o boi, é uma personagem da comédia do Bumba Meu Boi, a encenação da história, que infelizmente vem sendo deixada de lado. Em lugares como Bacurituba e Cajapió, a personagem é conhecida como Vaqueiro Velho. Outros animais são usados pelas brincadeiras, como jumento, bode, carneiro, tamanduá, onça, galo, macaco, leão, Deixa Falar e a Caipora, que é uma boneca gigante. Todas essas personagens continuam sendo feitas por alguns artesãos sob encomenda.
Boizinho miniatura
O boizinho em miniatura é feito por muito artesãos e usado em brincadeiras de criança, na decoração ou como lembrança do São João.
As brincadeiras também costumam demandar dos artesãos acessórios como a vara de ferrão do vaqueiro toda decorada, a saia/ barra do boi, o machadinho e o facão de madeira, a lança dos índios...
Os instrumentos musicais usados nos
diversos sotaques e feitos pelos artesãos maranhenses podem ser conhecidos no texto Tambores e Pandeiros.
As artes do Bumba Meu Boi são extensas, diversificadas e requerem muitas habilidades, é um universo fascinante a ser conhecido.